Uma publicidade de análise matemática

Estou curioso como uma agência de publicidade tentaria tornar famoso um queijo se o producente cismasse com o nome “pasta vacal postleitosa”. Este é o charme dos nomes na matemática; por este motivo pode-se suspeitar que vale a regra matemático, lobo da matemática.

O nome não é atraente, mas a teoria é bela. É também obrigatória para um grande número de estudantes – e a vida deles seria mais fácil se eles gostassem sinceramente da disciplina chamada Análise Matemática, conhecida também sob o codinome de Cálculo Diferencial e Integral.

As motivações mais empolgantes encontram-se na física. (Por sinal, na opinião do matemático russo V.I.Arnold “matemática é uma parte da física”.) Mas outras funcionam mais rápido, pois são mais fáceis de compreender. Elas são ligadas com medição de comprimento de curvas e de áreas de regiões contidas entre as curvas.


Arquimedes reconheceria este charuto

O cálculo da área contida entre parábola e a sua corda foi feito por Arquimedes e este feito sempre foi considerado uma das obras-primas da nossa civilização. Historiadores enxergam neste trabalho algumas idéias que levam às noções da Análise e à somatória da “progressão geométrica” infinita. Mesmo tendo nos últimos 2200 anos uma enorme simplificação da linguagem para apresentar esses cálculos, uma repetição deles exige do estudante de hoje mais paciência e a atitude cordial para com a matemática do que ele costuma ter.

Por via de dúvidas vou lembrar que para Arquimedes “parábola” significava justamente parábola (no plano fixe uma reta e um ponto fora dela; chame de parábola o conjunto de pontos do plano equidistantes desses dois objetos) e não um tal de “gráfico de uma equação quadrática”. Esta expressão não faria sentido para ele (uma conexão entre entes geométricos e as suas descrições algébricas ia surgir 1900 anos mais tarde) e continua não fazendo sentido hoje em dia, mesmo sendo usada e abusada pelos educadores que não gostam de seus alunos. Um momento de reflexão basta para resolver se ouvindo a pergunta “quem era Newton?” seria tratada como sensata resposta: “aquele que teve o nome escrito com as letras i-s-a-a-c”.

Terminando a escola de segundo grau o aluno está farto de ver as parábolas que cruzam os eixos de coordenadas, mas o encontro de duas parábolas pode ser mais agradável ao seu olho:

 

Se o sistema de coordenadas for escolhido assim que as curvas do primeiro esboço são descritas pelas equações

y = x2    e    x = y2

então não deve ser difícil inventar a descrição para curvas do segundo esboço. Além disso, o conhecimento de propriedades elementares da parábola (aquelas que descobre-se dobrando uma folha para desenhos técnicos – ou papel-manteiga) permitirá achar os ângulos dos encontros das curvas.

Mas o cálculo da área da figura por meios elementares seria um desafio excessivamente difícil. Esta tarefa pede o uso do Cálculo Integral. Logo vem uma surpesa agradável que neste quadrado


todos os três campos têm a mesma área.


Há folhas deste jeito

Desça a parábola “vermelha” por 1, depois empurre por 1 à esquerda a parábola “azul” – a descrição tornou-se mais difícil mas a forma é bem mais interessante. Lamento que não conheço a taxonomia de botánica e não posso fornecer um nome em latim de árvore com esta folha (talvez alguém me ajude nisso) mas já tive na mão uma folha com justamente este corte.

Os conhecimentos da escola são suficientes para obter as coordenadas de quatro pontos de encontros das curvas.

Dois lugares: (-1,0)  e  (0,-1)  são bastante óbvios. Mas os dois outros envolvem o número (divisão áurea!) e o seu inverso; um encontro agradável. E ainda o comprimento do intervalo que fica no eixo da simetria é a raiz quadrada de 10, uma boa aproximação (com erro abaixo de 1%) do outro número famoso ligado com totalmente diferente figura, do número .

É fácil conferir que esses quatro pontos ficam em uma circunferência que sobreescreve a folha. A equação da circunferência é

(x-1)2 + (y-1)2 = 5/2

Há um outro fato igualmente fácil: circunferência com equação

x2 + y2 = 3/4

está inscrita na folha (toca-a em pontos de suas quatro bordas). A distância desta circunferência até o “ponto final” da folha é

– o número que pode ser substituido pelo número racional 5-3  com erro abaixo de 10-5 .

É um número tão pequeno que para enxergar nitidamente o afastamento das curvas precisaríamos de um esboço do tamanho de toalha de mesa. Um outro jeito é de adotar uma visão artística para destacar o importante e negligenciar resto. É a minha sorte que um amigo meu é tanto matemático quanto artista e com facilidade visualiza as idéias com leves distorções gráficas. Eis como Jurek Kocik resolveu este problema (e o agradeço por isso, pois não saberia achar uma solução tão simples):

Em soma, temos recebido muitos resultados bonitos sem investir pesadamente em cálculos – mas nenhum caminho fácil leva à descoberta que a folha mede 11/3. Este resultado, sim, segue de uma aplicação simples do Cálculo Integral.


A divisão justa

Sabendo que Diabostan desenvolve Puf-Puf (as armas de destruição em massa) os dirigentes de Angelândia com o auxílio de Jawohlândia afastaram os perigos conquistando o inteiro Diabostan. Surgiu o problema de divisão justa e honesta do país do inimigo ao longo de linha de alguma latitude. A Jawohlândia que arcou com 20% de custos da guerra deveria receber 20% da área do país, ao sul da linha daquela latitude. Eis o mapa do Diabostan:


Por causa das linhas curvas das fronteiras a solução exige mesmo o uso de Cálculo Integral. Mas se 90 anos atrás as fronteiras do Diabostan fossem traçadas somente com as linhas retas, o problema de hoje teria uma solução no nível de geometria da escola de segundo grau.


Quatro figuras

Um exercício fácil: prove que quatro figuras (contidas entre pares de curvas) têm a mesma área.

Um tal de “senso comum” ajudará encontrar um bom argumento, mas não servirá sequer um pouco para descobrir que a área é 4/3. Mais uma vez, esta tarefa exige uma simples aplicação da poderosa ferramenta de Cálculo Integral.

y1 = x3
y2 = x2 + x - 1       
y1 = x3 - x
y2 = x2 - 1
y1 = x3 - x2
y2 = x - 1
y1 = x3 - x2 - x + 1
y2 = 0

Aquele senso comum (isto é: a capacidade de usar os conhecimentos obtidos na escola de segundo grau em questão de equações polinomiais) basta para provar que todos os pares de curvas encontram-se em pontos que têm as coordenadas horizontais -1 e 1. Mas é preciso o Cálculo Diferencial para achar as coordenadas do ponto mais alto no quarto esboço – e elas são (-1/3 , 32/27). Daqui, marcando um triângulo com este vértice e dois outros dados pelos encontros das curvas, chega-se a ver que a área do triângulo é 32/27. O erro cometido na substituição da figura pelo triângulo pode ser avaliado visualmente.

Aqui você pode ver todos os gráficos ampliados.

Andrzej Solecki
Floripa, outubro 2006