Não é fácil de educar alguém em ambiente de desunião. Os estudantes raramente vêm à Universidade com um costume de folhear as enciclopédias ou textos diferentes de livros escolares. Custa muita saliva de convencê-los: “entrem na biblioteca. Leiam”. Mas quase todos os semestres surgem protestos pelos baixos salários de funcionários e o pessoal das bibliotecas diz: “não entrem. Fechado”. Então adivinhe, quem é a primeira vítima da greve nas Universidades, o governo?

Mas nesta greve a turma inovou. (Se pode-se chamar de inovação algo que busca uma inspiração nas lutas do século XVII.) Fecharam a Internet. Tiraram da tomada.

Sei que esta interferência no meu trabalho não é de birra mas procuram angariar o meu apóio. Talvez para me sensibilizar como é difícil a vida dos funcionários. Mas eu sei disso sem uma batucada no Departamento. O meu cunhado é um funcionário da UFSC (deve ser bom, já que várias vezes foi homenageado pelos estudantes e colegas) e entrando na casa dele sinto na hora o que é sete anos com inflação e sem aumento. Mesmo no meu nível salarial (sim, o final da carreira, não posso subir mais) percebo que nos tempos de estudante comprava mais livros do que poderia fazê-lo hoje.

Então os grevistas acham que sem a Internet estarei mais disposto de apoiar a causa deles? Bem, deixem de explicar um pequeno detalhe. É sobre tais de “cientistas”. Contrário o que dizem os programas humorísticos, um cientísta não é uma espécie diferente. Raramente ele tem super-poderes mentais e nem precisa de ser o mais inteligente da turma. A diferença não está em genes mas em atitudes. É uma pessoa que estuda a vida inteira. Uma pessoa “normal” volta do serviço, abre a TV e começa assistir a sua novela. Mas é comum que nesse momento um cientista, livre de estudantes e de filas dos bancos, mergulha no seu estudo, nem ouvindo as vozes de crianças ou as notícias da nossa seleção. Alguém obriga-o a esse ritmo de vida? Não, ele gosta disso. É uma atitude que funde o particular e o profissional, o descanço com o duríssimo trabalho.

Sendo um dessa turma sei bem demais como as autoridades enxergam isso. “Pagar decentemente? Para que, eles gostam de trabalhar.” Desde sempre a ciência é refém da inteligência e visão dos governantes, o que quer dizer que esta novela raramente tem final feliz. Mas é um desgosto adicional quando o outro lado também interfere brutalmente na minha vida particular.

Desde alguns anos a Internet substituiu para mim o correio e o jornal, as ligações interurbanas e internacionais – beleza, né? Mas a Internet é algo muito frágil. Se o meu “server” falhar, as mensagens não ficam paradas em envelopes, a vida dos “bytes” e diferente. A mensagem não foi entregue durante quatro dias? Então sumiu. Acabou-se. Já era.

Não tem como separar o meu computador em duas partes: particular e profissional. Os meus estudantes não podem mandar mensagens para mim? Tudo bem, amanhã me encontrarão na sala. Mas outros e-mails (em média 20 por semana) que costumam intercalar as notícias particulares com conversas bem técnicas, elas já não voltarão. Nem o material das listas de discussão. Tente adivinhar mais uma vez: a sabotagem da Internet torna-me mais simpático à causa grevista?

“Tudo mundo tem que se sacrificar um pouco” vão dizer os grevistas. De fato, alguém vai sofrer. Até posso prever um pedaço do futuro, pois conheço umas coisinhas do passado. Por exemplo em outras greves o pessoal da limpeza conseguia tornar impossível o uso de salas de aula. Qual foi a resposta do adversário? A terceirização. Quase sumiram os faxineiros empregados pela União, quem faz isso hoje ganha um terço do salário dos faxineiros antigos. E pode acontecer a mesma coisa com o Núcleo de Processamento de Dados. Uma pequena firma situada em local afastado do campus pode facilmente gerenciar a vida eletrônica desta enorme instituição. A União vai economizar uma soma considerável, as comunicações de professores não estarão mais no poder dos grevistas.

Até que estou gostando desta idéia.

Fpolis, 15 de agosto 01

Dr.Andrzej Solecki
professor titular
MTM/CFM, UFSC
andsol@mtm.ufsc.br


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