Artigo reproduzido com permissão do autor. O artigo encontra-se no endereço

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Quarta-feira, 19 de Dezembro de 2001

Gilmar Piolla

Poderia ser pior, Sr. Ministro?

É quase unânime que a Seleção Brasileira está desacreditada para a Copa do Mundo de 2002, mas imaginemos o pior de todos os cenários: o Brasil vai à Coréia e perde de goleada os três jogos da primeira fase contra as temidas seleções da China, Turquia e Costa Rica. Além de voltar mais cedo para casa, a seleção canarinho fica em último lugar da classificação geral entre os 32 países participantes do mundial. Qual seria o impacto dessa "tragédia" nacional na opinião pública? Que tratamento seria dispensado aos jogadores, comissão técnica e dirigentes no regresso da delegação? Com certeza haveria pressões para mudar tudo no comando da CBF e da seleção. E é certo que o técnico pediria o boné antes de desembarcar no aeroporto do Galeão - ou pediria asilo por lá.

Pois o Brasil acaba de participar de uma "competição" internacional bem mais séria do que a Copa do Mundo e o resultado foi exatamente desastroso. Além de amargar o último lugar, ficamos longe do penúltimo colocado (México) e a anos-luz dos primeiros (Finlândia, Japão e Coréia). O vexame foi completo, acachapante, humilhante. Não serve de consolo nem a alegação de que o País não tem tradição neste "esporte", pois nos últimos anos cansamos de ouvir das autoridades brasileiras e dos experts de organizações internacionais maravilhas sobre nossos progressos. Falava-se até num novo milagre brasileiro - uma verdadeira "revolução," conforme anunciou recentemente uma prestigiosa revista brasileira (Veja, 12/9/01). Já estávamos quase certos do nosso sucesso internacional. E de repente, descobrimos que as expectativas criadas eram falsas. Ouro de tolo. Puro produto de marketing.

Afinal, do que estamos falando? Da educação, é claro. Para ser mais preciso, dos resultados do Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa), divulgado na última semana pela Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE). Por coincidência, desta "competição" também participaram 32 países - os 28 membros da OCDE e quatro convidados: Brasil, Letônia, Rússia e China. Este estudo comparado teve como objetivo avaliar em que medida os estudantes que se aproximam do final da educação compulsória adquiriram o conhecimento e as competências necessárias para participar integralmente na sociedade atual. Por isso, a avaliação foi feita apenas com estudantes de 15 anos de idade, independente da série cursada. O Pisa 2000 teve ênfase na capacidade de leitura e de compreensão de texto.

Nas 322 páginas do relatório "Conhecimento e competências para a vida: primeiros resultados do Pisa 2000", divulgado no último dia 4, não há uma única notícia boa sobre a educação brasileira. Só ruins. Comecemos pela pior de todas: o Brasil ficou em último lugar tanto na classificação geral quanto na que leva em conta fatores socioeconômicos, bem como na comparação que considera apenas os estudantes com mais escolaridade. Mas a "última colocação" diz pouco sobre o desempenho desastroso dos estudantes brasileiros. A escala de avaliação utilizada pelo Pisa associa o desempenho médio dos alunos com cinco níveis de proficiência. O Brasil foi o único a ficar no nível 1. Pior ainda: 23% dos estudantes brasileiros não chegaram nem ao nível 1. São quase analfabetos funcionais. Somados aos 33% classificados no nível 1, nada menos do que 56% dos estudantes brasileiros tiveram um desempenho abaixo de sofrível. O México, penúltimo colocado, teve 44% dos estudantes no nível 1 ou abaixo. No nível 1, os estudantes apresentam dificuldade para completar tarefas simples de leitura, como localizar uma informação ou identificar o tema principal de um texto. De acordo com o relatório do Pisa, os estudantes no nível 1 ou abaixo mostram graves deficiências no processo de alfabetização, o que prejudica a continuidade do seu aprendizado e compromete a possibilidade de que venham a se beneficiar de futuras oportunidades educacionais.

Os resultados medíocres obtidos pelo Brasil não envergonharam o ministro da Educação, Paulo Renato Souza. Ao contrário, ele disse que ficou satisfeito e surpreendido com o desempenho do Brasil, pois esperava resultados piores. Ainda completou: "Não é que o ensino seja ruim. É que há muita repetência." (Folha de S. Paulo, 5/12/01). Reação bem diferente teve o Secretário de Educação dos Estados Unidos, Rod Paige, que se declarou muito desapontado com a performance dos estudantes americanos, que ficaram na média das demais nações industrializadas. E acrescentou: "Na economia global, estes países são os nossos concorrentes. A média não é suficiente para os estudantes americanos". (New York Times, 5/12/01, p.A21). Como se vê, as expectativas são completamente diferentes. Enquanto o ministro brasileiro se declara satisfeito com o pior desempenho entre os 32 países avaliados, seu colega americano manifesta profundo descontentamento com uma posição apenas intermediária.

A comparação com o futebol, na abertura deste artigo, não é original nem apropriada. O economista Cláudio de Moura Castro já disse em certa ocasião que se a população brasileira fiscalizasse a educação com o mesmo interesse com que acompanha a seleção e cobrasse responsabilidade dos dirigentes educacionais como cobra dos que comandam o futebol, a escola pública seria outra. Hoje, diante do descrédito que cerca a seleção, esse argumento parece exagerado. Além da falta de originalidade dessa comparação, é claro que não devemos ver a educação como uma "competição". No entanto, avaliações internacionais, como o Pisa, tem justamente o objetivo de oferecer um parâmetro para que cada país participante possa comparar o seu desempenho em relação aos demais.

Nesta perspectiva, o resultado desta avaliação mostra o que os relatórios oficiais têm escondido: a situação da educação brasileira segue alarmante, a despeito de toda retórica sobre as maravilhas operadas na gestão do ministro Paulo Renato. Assim, a grande contribuição que o Pisa trouxe para o Brasil foi mostrar que o quadro do ensino é muito, mas muito mais grave do que sugere o cenário róseo vendido pela propaganda oficial. Basta comparar o que diz o relatório do Pisa com os relatórios oficiais e press-releases divulgados pelo Ministério da Educação sobre os resultados do Provão, Saeb e Enem.

O Inep é uma instituição séria e competente. Seria irresponsável suspeitar que os resultados das avaliações nacionais sejam manipulados. O que ocorre, sim, é uma leitura capciosa, parcial e enviesada dos resultados de forma a apresentar um quadro menos negativo do que a situação real. A imprensa tem a sua parcela de responsabilidade por confiar, de olhos fechados, nas análises oficiais. Vai ao extremo, como fez a revista Veja, de deslumbrar-se diante dos números e de proclamar sem pejo: "Isso é uma revolução" (Veja, 12/9/01). Diante dos resultados do Pisa, caberia perguntar que revolução é essa que produz resultados tão catastróficos. É à luz dessa avaliação que podemos fazer uma releitura dos resultados do Saeb, provão e Enem.

Comecemos pelo Exame Nacional do Ensino Médio (Enen). Ironicamente - numa demonstração de urgência política e de falta de "timing" - os resultados do Enem/2001 foram divulgados um dia após a conspícua divulgação do relatório do Pisa 2000. A incongruência entre os resultados das duas avaliações não poderia ser mais chocante. Nem o pior adversário político poderia urdir uma trama que colocasse o ministro da Educação numa situação tão vexatória. Mas numa prova definitiva da sua capacidade de representar, Paulo Renato não corou em dizer que considerava os dados do Enem "positivos", mesmo quando estes revelam que a média caiu cerca de 10 pontos, numa escala de zero a cem, em relação ao ano anterior. Na prova objetiva, a média despencou de 51,85 para 40,6 e na redação, de 60,87 para 52,58.

A diferença é que na edição de 2000, participaram do Enem cerca de 352 mil estudantes, grande parte oriundos de escolas privadas (43%), enquanto em 2001, com a isenção da taxa de inscrição, o exame contou com a participação recorde de cerca de 1,2 milhão de estudantes, a grande maioria proveniente da rede pública (66%). Para o ministro, foi o aumento da participação dos alunos de escolas públicas que decretou a pronunciada queda observada na média geral tanto da prova quanto da redação. Esta justificativa, é preciso que se diga, é sensata e rigorosamente correta. Basta comparar a diferença entre a média dos alunos de escolas privadas com a média dos alunos de escolas públicas. Mas o papel do ministro não é culpar a escola pública cada vez que aparece um resultado negativo.

A mesma desculpa já tinha sido usada para justificar o queda no desempenho dos alunos indicada pelo Saeb/1999, divulgado em dezembro de 2000. Na ocasião, o ministro Paulo Renato atribuiu a queda generalizada das médias em língua portuguesa e matemática à incorporação de alunos de baixa renda ao sistemas de ensino - embora não tenha encontrado uma justificativa plausível para explicar o mau desempenho da rede particular. - "Ganhamos a batalha da incorporação de alunos. Agora temos que ganhar a batalha da qualidade," anunciava o ministro (O Globo, 29/11/00). Os resultados do Pisa/2000 e do Enem/2001 revelam que, apesar de todo malabarismo retórico, não dá mais para esconder o sol com a peneira.

O Documento Básico do Enem anuncia, de forma solene, que o seu propósito fundamental é "avaliar o desempenho do aluno ao término da escolaridade básica, para aferir o desenvolvimento de competências fundamentais ao exercício pleno da cidadania" (www.inep.gov.br/enem). Se a prova atende ou não este objetivo são outros quinhentos. Mas, adotando a premissa de que o Enem tem buscado avaliar o desenvolvimento de competências fundamentais, então os resultados não podem ser considerados "positivos" nem pelo mais celerado analista, quando mais pelo ministro da Educação. O que o Enem/2001 mostrou é que a imensa maioria dos alunos está concluindo o ensino médio sem as competências requeridas para participar ativamente da sociedade. O mesmo quadro foi traçado pelo Pisa.

Entretanto, a leitura oficial dos resultados do Enem, absorvida em grande pela mídia, mostra um quadro mais "positivo", para usar o eufemismo ministerial. A mágica para "dourar a pílula" é simples. Embora a filosofia do Enem seja avaliar competências fundamentais, o ministério da Educação e o Inep não querem correr o risco de definir qual seria o desempenho satisfatório correspondente ao "perfil de saída do aluno da escolaridade básica"(Documento Básico 2000). A definição de uma nota de corte implicaria em reconhecer que a maioria dos alunos não demonstra ter adquirido as tais "competências fundamentais". Como alternativa, adota-se um critério frouxo, pelo qual considera-se 'Regular' e 'Bom' o desempenho variando entre 40 e 70 (numa escala de zero a 100). Assim, mesmo diante de uma média de 40,6% na prova e de 52,58% na redação, o press-release do MEC trombeteia que 68% dos participantes tiveram desempenho de Regular a Bom (www.mec.gov.br/acs/asp/noticias). A falta de modéstia é ainda mais aviltante na página do Inep, que não hesitou em manchetear: "Desempenho dos participantes é melhor na redação: Cerca de 80% dos textos produzidos obtiveram médias acima de Regular" (www.inep.gov.br/noticias)

Um leitor mais desavisado poderia concluir: se o Enem mostrou que cerca de 80% dos alunos foram capazes de produzir textos "acima de Regular", então a situação do ensino vai bem, obrigado. Mas com que base aponta-se um quadro tão otimista se a média da redação foi tão baixa (52,58)? Simples: adotando um critério malandro pelo qual nota acima de 40 já é considerado um sucesso. Cabe perguntar: que escola séria neste país aprovaria um aluno com este nível de desempenho? Ou melhor: se a prova do Enem é elaborada para avaliar as "competências fundamentais ", como considerar 'Regular' a 'Bom' menções entre 40 e 70? Na prova objetiva, 57% dos alunos tiveram desempenho entre Insuficiente e Regular - isto é, notas inferiores a 40. Apenas 5% dos participantes obtiveram notas acima de 70, classificando-se na faixa de desempenho de Bom a Excelente. Na redação, 11% dos participantes se situaram nesta faixa.

Este seria o percentual dos concluintes do ensino médio que demonstra dominar as "competências fundamentais" que o Enem se propõe a avaliar. Não é preciso dizer que a imensa maioria dos participantes que tiveram desempenho de Bom a Excelente no Enem, tanto na redação quanto na prova escrita, veio de escolas privadas. São estes que vão ocupar a maioria das vagas nos cursos mais prestigiados das universidades públicas - graças, em parte, ao resultado do Enem.

É interessante notar que o resultado da prova objetiva do Enem, na qual apenas 5% dos participantes foram classificados de Bom a Excelente, é bastante consistente com o resultado do Pisa/2000, no qual apenas 4% dos estudantes brasileiros tiveram desempenho correspondente aos níveis 4 e 5 de proficiência. Portanto, todas as interpretações dos resultados do Enem que vão além do reconhecimento de que apenas uma parcela ínfima dos concluintes do ensino médio possui os conhecimentos e as competências fundamentais "ao exercício pleno da cidadania" - para usar a linguagem diletante do Documento Básico do Enem - é puro diversionismo.

O mesmo diversionismo tem sido praticado em relação ao Provão. Todo ano, ao divulgar o relatório final do exame, o ministro bate na mesma tecla: os resultados indicam uma melhoria do ensino superior. É só conferir o anúncio dos resultados do Provão/2001, que deve acontecer nos próximos dias. Mas a retórica não esconde a verdade dos fatos. Dos 18 cursos avaliados no ano passado, apenas Odontologia teve uma média acima de 50 numa escala de zero a cem (53,9). Em grande parte dos cursos, a média foi inferior a 30. Não custa lembrar que o Provão foi instituído para aferir os conhecimentos e competências adquiridos pelos alunos em fase de conclusão dos cursos de graduação (Lei nº 9.131, de 24 de novembro de 1995). As provas são elaboradas com base nos conteúdos mínimos e nas habilidades definidas pelas comissões de cursos. Segundo Cláudio de Moura Castro, o Provão é um teste "cuja formulação reflete uma indagação séria acerca do que o graduando do curso deve saber ao se formar" ("Provão: como entender o que dizem os números", Brasília: Inep, 2001, p. 8).

Mas, numa postura tipicamente 'tucana', o Ministério da Educação nunca enfrentou uma questão central: qual é o rendimento mínimo ou adequado? Em outros termos, qual seria o desempenho satisfatório numa prova que pretende medir o que se espera que os graduandos de cada área saibam. Por não ser referenciado em nenhuma definição normativa sobre padrão mínimo de desempenho, o Provão permite uma leitura "aberta", de acordo com o gosto do freguês. Citando mais uma vez Moura Castro, na melhor das hipóteses, o Provão distingue quem é melhor de quem é pior, mas não autoriza dizer que o melhor é bom nem que o pior é ruim (p. 9). Ou seja, é uma avaliação por contraste que não responde se o ensino em cada área tem uma qualidade aceitável ou não. As médias sugerem, no entanto, de duas uma: ou as provas estão sendo mal elaboradas, exigindo mais do que os graduandos devem saber, ou a situação geral é mesmo muito ruim, quase calamitosa. A segunda hipótese é mais plausível e consistente com o quadro geral da educação básica.

O MEC insiste, no entanto em repetir o que já se tornou o seu mantra: o Provão é um indutor da melhoria da qualidade. O ministro Paulo Renato vai mais longe e afirma: "Na prática, ao criarmos o Provão, nós acabamos provocando um terremoto no sistema de ensino superior." (Revista do Provão, 2001, p. 21). O "terremoto" no ensino superior só aconteceu na retórica oficial. Na prática, o maior abalo sísmico do qual se tem notícia foi a greve de mais de três meses no sistema público. Enquanto alardeia a melhoria da qualidade, o MEC faz vistas grossas à expansão desenfreada do ensino privado "caça-níquel", que acaba de inventar uma nova modalidade: o ensino-franchise, que se propaga pelo país como rede de fast-food. Ao podar as competências do Conselho Nacional de Educação, ampliando o poder discricionário do Executivo nas decisões sobre autorização de cursos e credenciamento de instituições, o Decreto nº 3.860, de 9 de julho de 2001, abriu caminho para a regularização das universidades e centros universitários privados que abriram unidades fora do seu município-sede e até mesmo do seu Estado. Essa é a verdadeira "McDonaldização" do ensino superior em marcha.

A exemplo do que acontece na educação básica, na área de educação superior o único avanço real tem sido a expansão do sistema, pela mãos do setor privado. O Provão, como aferidor da qualidade, produziu mais marola do que resultados concretos. E continuará produzindo até que a retórica dê lugar a medidas concretas, pelas quais o ensino picareta se sinta realmente ameaçado. Até agora, apesar de todo barulho, nenhum curso foi fechado - depois de seis edições do Provão, a um custo que acumulado de bem mais de R$ 100 milhões. Os empresários do ensino privado já concluíram há muito tempo que o Provão não é nenhum bicho-papão e não representa nenhuma ameaça séria aos seus interesses. Ao contrário, nunca foi tão fácil expandir.

Voltando ao ponto inicial deste artigo, cabe sublinhar que não é só o problema de ficar em último lugar numa avaliação internacional. Como já disse, não se trata de competição - por mais que a educação venha sendo tratada como mera variável econômica, perdendo seu caráter humanista. O desempenho dos estudantes brasileiros foi catastrófico em comparação com seus pares de outros países. Não há outra palavra mais precisa. O ministro da Educação tentou várias explicações para essa calamidade. De um lado, atribuiu a responsabilidade ao sistema educacional, que seria culpado pelas altas taxas de repetência e de distorção idade/série. O press-release divulgado pelo MEC repete o refrão: "o atraso escolar, provocado pelos altos índices de reprovação e abandono às aulas, é apontado como uma das principais causas do baixo desempenho dos estudantes brasileiros na primeira edição do Pisa" (www.mec.gov.br/acs/asp/noticias). Quem aponta esta causa? O ministro.

Se os altos índices de reprovação e abandono - e o seu sub-produto, que é o atraso escolar - não denunciam a má qualidade do ensino, conforme argumenta o ministro, então quais seriam as verdadeiras causas do insucesso escolar? Paulo Renato oferece uma resposta corajosa: o Brasil seria o pior em educação por que tem a pior distribuição de renda do mundo. O ministro lembrou, de forma apropriada, que o Brasil tem o maior índice de Gini - justamente o indicador internacional que mede a desigualdade na distribuição de renda - entre os 32 países que participaram do Pisa 2000. Além disso, o Brasil teria o menor PIB per capita. Assim nossas condições sociais (desigualdade) e econômicas (renda per capita) seriam determinantes do nosso fracasso educacional. Não há como discordar do ministro num ponto básico: a pobreza, fruto de uma estrutura perversa de concentração de renda, é o maior limitador de oportunidades educacionais. Políticas redistributivas, como o Bolsa Escola, são apenas paliativos - sobretudo quando utilizadas com propósitos eleitoreiros, transformando o benefício numa esmola.

Mas redistribuição de renda nunca foi prioridade, de fato, do governo FHC. Ao contrário do diagnóstico traçado pelo ministro da Educação para justificar o fisco do País no Pisa, o governo tem insistido que é a educação que vai melhorar a distribuição de renda e reduzir a pobreza. Agora, Paulo Renato sugere o contrário: sem melhorar a distribuição de renda do País, a escola vai continuar reproduzindo o insucesso escolar. As contradições são gritantes. Recentemente, quando o Unicef e o Ipea divulgaram o relatório sobre Desenvolvimento Humano, a educação foi apontada como um dos fatores que mais contribuíram para a elevação do IDH. Entretanto, o critério utilizado é puramente de cobertura escolar, sem maiores apreciações sobre a qualidade do ensino. Na retórica oficial, a educação estava desenhando um novo quadro social. Vale aqui citar o mimo do presidente Fernando Henrique ao seu ministro da Educação: "Paulo Renato está fazendo uma revolução silenciosa no Brasil. A revolução pela educação, que promove a verdadeira inclusão social pela igualdade de oportunidades de acesso do analfabeto ao saber, ao conhecimento e à cidadania"(IstoÉ, 27/12/00, p. 29).

Pelas declarações públicas dadas pelo ministro para justificar o desempenho medíocre dos estudantes brasileiros no Pisa e no Enem, ele não acredita no que diz o seu chefe. Ao contrário, reconhece que o governo tem vendido uma ilusão ao prometer a cura dos males sociais através da educação. O que Paulo Renato tem dito é que sem melhorar a distribuição de renda e minorar as desigualdades sociais, não tem saída. Com a palavra o ministro-candidato: "O Enem reflete a exclusão social brasileira"(Folha Online, 05/12/01). Enquanto isso, o presidente soberbo diz que "quando as pessoas dizem que o governo é neoliberal, eu rio. São pessoas que não entendem nada do mundo nem do Brasil"(Folha de S. Paulo, 05/12/01). Diante dos resultados do Pisa e do diagnóstico traçado pelo ministro, segundo o qual a desigualdade social é uma camisa de força que impede a melhoria da educação, a graça presidencial deveria dar lugar à indignação. O que este governo, que não aceita o carimbo de neoliberal por que tem um "setor de planejamento corporificado no "Avança Brasil'", fez nos últimos sete anos para resolver a equação da distribuição de renda?

O ministro da Educação não foi confrontado com esta pergunta. Além das causas ligadas ao sistema de ensino - altas taxas de repetência e distorção idade/série - e das causas estruturais - desigualdade e exclusão social - foram apontados outros fatores deletérios que teriam influenciado o desempenho do Brasil no Pisa. O Inep alega que pode ter havido imprecisões na tradução das questões da prova, o que teria dificultado a compreensão dos estudantes brasileiros e, por conseqüência, prejudicado o desempenho (Folha de S. Paulo, 5/12/01). Nesta caso, como instituição responsável pela aplicação do teste no Brasil, o Inep estaria admitindo incompetência. Se o problema da tradução é ou não fundamentado cabe ao Inep esclarecer. O que poderia ser argumentado com mais plausibilidade é que esse tipo de teste carrega um inevitável viés cultural, o que poderia afetar a consistência dos resultados. Mas isso não valeria só para o Brasil.

O press-release do MEC faz outra afirmação descabida ao sugerir que, como grande parte dos adolescentes brasileiros de 15 anos ainda está matriculada no ensino fundamental, nossos estudantes teriam sido "avaliados com base em conteúdos que ainda não chegaram a estudar" (www.mec.gov.br/acs/asp/noticias). Essa justificativa é risível, pois o Pisa não é uma avaliação "conteúdista", o que seria rídiculo em um estudo internacional comparado, presumindo-se que cada país tem um currículo diferente. Como já foi dito, o objetivo do Pisa é avaliar tão-somente "literacy" em três áreas básicas: leitura, matemática e ciência. Não se trata de conteúdos do ensino médio, mas dos conhecimentos e competências básicas que se espera os alunos tenham adquirido ao se aproximarem do final da educação obrigatória, que coincide, na maioria dos países, com a idade de 15 anos.
Explicar o fracasso é sempre difícil. Busca-se as desculpas e justificativas mais disparatadas. O ministro lembrou que esta avaliação reuniu apenas os países mais desenvolvidos. Nada mal, portanto, que o Brasil busque se comparar com o pelotão da frente. É bom lembrar que já em 1994, Fernando Henrique Cardoso afirmava: "O Brasil não é mais um país subdesenvolvido. É um país injusto."(Mão à Obra, Brasil, p. 9). Mais uma vez, cabe indagar o que o seu governo fez para mudar essa equação. Na educação, como acabamos de ver, continuamos tão subdesenvolvidos quanto entramos na era FHC.

Para justificar o vexame brasileiro, o ministério da Educação encomendou uma análise dos resultados do Pisa ao economista e especialista em educação Cláudio de Moura Castro. Além das causas já indicadas, ele aponta o atraso com que o Brasil passou a investir na universalização do ensino fundamental - meta que ainda está por ser alcançada, a despeito dos significativos progressos realizados nas últimas décadas. Os demais países incluídos no Pisa, ao contrário, já universalizaram a educação básica há muito tempo. A única novidade na elite do ensino mundial seria a Coréia, que saiu de uma situação de atraso pior do que o Brasil, na década de 50, para torna-se uma das economias mais industrializadas e um dos países com escolaridade média mais elevada. Segundo Moura Castro, "naquele país houve um compromisso férreo entre famílias, a sociedade e o governo acerca da prioridade a ser dada à educação" (www.mec.gov.br/acs/asp/noticias).

Não é o caso de encontrar culpados pelo fiasco e de "fulanizar" o debate. Seria injusto atribuir ao ministro da Educação, embora ele esteja no cargo há sete anos, a culpa pelo desastre no Pisa - da mesma forma que seria imerecido creditar-lhe mérito pelo aumento da cobertura da escolar, único avanço concreto do País na área educacional. A responsabilidade é coletiva. A vergonha é nacional.

O ministro, as elites políticas e intelectuais, as corporações da área educacional e a mídia estão por demais ocupadas com o problema das universidades para dar atenção ao dilema da educação básica. Quem se importa com a situação das escolas primárias e secundárias? Quem se importa com as Donas Carmosinas que "tiram leite de pedra", tentando ensinar em condições as mais adversas possíveis? Não há milagre no desempenho educacional da Coréia. Há, sim, décadas de investimento sério e continuado em educação básica. A lógica é simples: não se constrói um edifício sólido a partir do telhado. Ou se cuida das fundações - a educação básica - ou o edifício educacional desaba com o Palace II. O resultado do Pisa só confirmou o que já se sabia: nossa base é frágil, extremamente frágil.

Desculpe-me, Sr. Ministro, mas chega de cinismo de dizer que está satisfeito pois esperava resultados piores. Depois de sete anos no comando da educação, esta é a melhor resposta que o Sr. tem para a opinião pública brasileira? Vamos tratar a educação com mais seriedade e os brasileiros com mais respeito. Os resultados não poderiam ser piores. Que posição seria mais vexatória do que o último lugar, a larga distância dos que estão no final da fila? Como técnico da seleção, mesmo que o seu chefe fosse o Ricardo Teixeira, o Senhor já teria recebido cartão vermelho. Se não fosse por outra razão, por comemorar cinicamente mesmo perdendo de goleada.