Artigo reproduzido com permissão do autor. O endereço original do artigo é

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O site que o hospeda é da ONG Cidade Escola Aprendiz


Sábado, 17 de Novembro de 2001

Gilmar Piolla

Linux ou Windows?

Com qual sistema operacional devem ser equipados os computadores que serão adquiridos, com os recursos do Fust (Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações), para as escolas de ensino médio? Com Linux ou Windows? A polêmica desperta paixões entre defensores entusiasmados dos dois programas. Por isso, o edital de licitação da Anatel está parado há dois meses e já se sabe que o cronograma de entrega das máquinas vai atrasar.

No meio da controvérsia está a preferência do Ministério da Educação pelo sistema Windows, da Microsoft, de código fechado e que exigirá o pagamento de vultosa soma aos cofres de Bill Gates. Esta preferência do MEC pela Microsoft, no entanto, é anterior ao Fust.

O Proinfo, lançado no final de 1996, tinha uma meta ambiciosa: instalar 100 mil computadores nas escolas até o final de 1998. Até agora foram entregues apenas 30 mil. Os computadores chegaram às escolas somente em 1999. O segundo lote, de 14 mil máquinas, está na fase de licitação, e só deve ser entregue aos estabelecimentos de ensino no final do ano que vem. Se nenhum recurso "melar" a compra. Os computadores comprados pelo Proinfo já privilegiavam a plataforma da Microsoft. A relação com a Microsoft é tão íntima que a empresa condenada por práticas monopolistas de mercado nos Estados Unidos é tratada dentro do MEC não como fornecedora, mas parceira.

O que fez o MEC quando a Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) estava prestes a lançar o edital para aquisição dos computadores em meados deste ano? Promoveu, de 16 a 20 de abril de 2001, no Hotel Nacional, em Brasília, um evento chamado "Seminário Proinfo de Telemática para o Ensino Médio". Foram chamados todos os coordenadores estaduais de informática das secretarias de educação para uma consulta. Microsoft e Conectiva (representante do sistema operacional Linux, de código aberto e distribuição gratuita), entre outras empresas, foram convidadas a expor seus produtos.

Mas a escolha já estava definida. Como de costume, a exemplo do que havia ocorrido com o Proinfo, o MEC impôs o pacote pronto do Fust goela abaixo das secretarias. A escolha foi feita no afogadilho e não envolveu os secretários estaduais de educação. Ficou restrita a assessores de terceiro escalão. Apesar do evento ter mostrado as vantagens do computador popular, desenvolvido por pesquisadores da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), ao custo estimado de R$ 500,00, e da plataforma Linux, também de menor custo e alternativa mais estável e segura que o Windows, as duas opções foram descartadas.

A oposição contestou a escolha, a Justiça Federal interrompeu a licitação da Anatel e o Congresso Nacional aprovou, durante os debates sobre a inclusão do Fust no PPA (Plano Plurianual), uma emenda que estabelece a instalação dos dois sistemas operacionais nos computadores. E o que faz o MEC? No último dia 19 de outubro, o secretário de Educação à Distância, Pedro Paulo Poppovic, e o coordenador do Proinfo, Cláudio Salles, encaminharam uma nova consulta às secretarias estaduais de educação. Desta vez, pedindo resposta escrita dos secretários até o dia 1º de novembro. Os secretários foram convocados a escolher quantos computadores querem receber equipados com Linux e Windows.

Fosse uma consulta isenta, não haveria qualquer problema. Entretanto, ela é viciada. O MEC tenta direcionar novamente a escolha do Windows nos computadores. Poppovic alerta que a inclusão de mais um sistema operacional implicará custo adicional para os Estados com treinamento de pessoal técnico e capacitação de multiplicadores e professores. Em outro ofício encaminhado às secretarias, Salles, do Proinfo, chama atenção para "a necessidade de reabertura de contagem de prazos, o que atrasaria mais ainda a chegada dos computadores nas escolas". Em sua correspondência, Salles monta uma espécie de dossiê, com informações e números, para atacar o Linux.

O deputado Sérgio Miranda (PC do B-MG) acha que a consulta é dirigida para intimidar as secretarias a optarem pelo Windows como sistema operacional único. A consulta, segundo ele, desrespeita o acordo que foi feito no Congresso Nacional, que determinou a instalação dos dois sistemas operacionais nos microcomputadores. A batalha vai longe. Com isso, a meta de entrega das máquinas para 60% das escolas de ensino médio com mais de 600 alunos, prevista para 28 de fevereiro de 2002, fica comprometida.

Os dois sistemas possuem vantagens e desvantagens. Acho que o acordo de líderes no Congresso Nacional, determinando a instalação dos dois sistemas, foi acertado. Se fosse obrigado a escolher apenas um, optaria, sem dúvida, pelo Linux. O software livre leva ligeira vantagem: ao contrário do Windows, pode ser obtido de graça, sem custos com pagamento de licença de uso e outras taxas de atualização etc. Seu código-fonte é aberto e pode ser alterado ao gosto do cliente. É um programa que não limita a capacidade criativa. Além disso, é um sistema mais estável, que não trava o computador a toda hora, como o Windows.

Se, no lugar do Windows, o MEC tivesse optado pelo Linux, ao invés de 290 mil computadores poderia comprar, pelo mesmo preço, 400 mil. O maior defeito do programa é que não oferece suporte técnico apropriado. Além de ser pouco usual em PCs de uso doméstico. Teríamos, inicialmente, que gastar um pouco para formar técnicos e professores para ensinar os alunos a operar com o software livre. Não seria um gasto exorbitante, levando-se em conta que, de qualquer jeito, haverá dispêndio com formação até mesmo para a utilização do Windows. Ou alguém aí acredita que basta instalar o equipamento nas escolas que os professores saberão o que ensinar com eles?


O argumento dos que defendem com unhas e dentes o Windows é que o seu uso está disseminado por lares e escritórios brasileiros. O raciocínio é verdadeiro. Contudo, não faz sentido optar por um sistema que vem sendo contestado no mundo inteiro. O que um sistema faz o outro também faz. As universidades públicas estão migrando em peso para o software livre. Para reduzir custos e aumentar o nível de segurança, as grandes empresas também migram para o Linux e outros sistemas mais baratos e estáveis. De acordo com o Cipsga (Comitê de Incentivo a Produção do Software GNU e Alternativo), algumas empresas públicas no Brasil utilizam largamente a experiência com relativos êxitos: a Procergs, empresa de processamento de dados do governo do Rio Grande do Sul, a Procempa, empresa administrada pela prefeitura de Porto Alegre, e a Prodabel, ligada à prefeitura de Belo Horizonte. Quatro cidades brasileiras são pioneiras no uso obrigatório: Amparo, Recife, Solonopole e Ribeirão Pires.


O colunista Pedro Doria, do site www.no.com.br, andou fazendo um levantamento pelo mundo afora. Ele diz que uma lei aprovada pelo Parlamento italiano incentiva o poder público a usar software livre. O Parlamento alemão acaba de aprovar uma lei semelhante. E o Parlamento francês estuda seguir o mesmo caminho. Em breve, o software livre pode ser adotado por toda a Comunidade Européia. Segundo levantamentos, o Linux é o sistema no qual funciona 60% da Internet mundial. E veja só: as escolas americanas, no quintal da Microsoft, são dotadas de computadores que trazem dois ou mais sistemas operacionais. Nem lá o Windows detém o monopólio. Por que haveria de tê-lo no Brasil?


A informatização das escolas é um dos poucos programas do Ministério da Educação centralizados em Brasília, além, agora, do Bolsa-Escola. Os secretários de educação, por meio de sua entidade representativa, o Consed, chegaram a promover reuniões com o ministro Paulo Renato Souza na tentativa de convencê-lo a descentralizar o Proinfo e o Fust, a exemplo de outras políticas educacionais patrocinadas pelo Ministério, como a municipalização do ensino fundamental, a descentralização da compra da merenda escolar e do livro didático e a transferência de dinheiro diretamente para as escolas. Foi pura perda de tempo. A descentralização daria mais agilidade ao processo de compra dos equipamentos, estimularia a participação da comunidade na gestão escolar e impulsionaria a economia local. E evitaria, por exemplo, a imposição do Windows. O MEC bateu o pé e não aceitou a proposta. Se atendesse ao pedido dos secretários, o processo de compra das máquinas e de favorecimento aos programas da Microsoft fugiria do seu controle.


Espero que a decisão dos secretários de educação não seja, como tem sido, de submissão à vontade do MEC. Sua decisão influenciará a formação de nossos jovens. Precisamos definir agora se queremos que eles cresçam alienados, prisioneiros de um programa de computador limitado e que freia o desenvolvimento da criatividade, ou se daremos a eles a liberdade e a oportunidade de descobrir o novo, pesquisar e inventar um futuro melhor.